Pode dizer-se que este filme tem uma das histórias mais
amorais dos Estados Unidos nos últimos anos. E é também por isso que O Lobo de
Wall Street tem tamanha importância no cinema contemporâneo. Ao longo do filme,
acompanhamos Jordan Belfort, um jovem ambicioso que sonha em ser rico de uma
maneira fácil conquistando a Bolsa de Valores de Wall Street. Mas, exatamente no
dia em que estreia na função de corretor acontece uma Black Monday, que é nada
mais nada menos que uma queda brusca das ações o que acaba por deitar a baixo Wall
Street. Sem emprego, Jordan descobre a mina de ouro na venda de ações que estão
fora da grandeza das de Wall Street; são empresas más, algumas que não têm a
menor oportunidade de fazer sucesso, vendidas por quase nada. Mas que pagam a
quem vendê-las uma gorda comissão de 50%. Com uma conversa bem estruturada, não
demora muito até que Jordan se dê bem na nova profissão. Mais ainda: não demora
muito para que descubra o melhor meio de capitalizar a galinha dos ovos de
ouro, fundando com velhos parceiros uma empresa que lhe traria rios de
dinheiro: a Stratton Oakmont.
Contando apenas isto, fica a leve impressão de que O Lobo de
Wall Street simplesmente repete as velhas narrativas clássicas ao contar a
história de um homem de visão que, usando os mais variados empregos, chegou à
riqueza e depois sucumbiu à decadência. Isto é um engano. Explorando com
habilidade elementos variados como a estética televisiva e a quebra da quarta
parede, o diretor oferece-nos uma verdadeira ode à depravação. Sim, depravação.
Pois é assim que Jordan e os seus fiéis amigos levam a vida, em busca do prazer
absoluto sem pensar duas vezes em usar drogas ou praticar sexo com quem
aparecer pela frente. Só que, para retratar tamanho hedonismo, era preciso
mergulhar fundo, de cabeça mesmo. Sem moralismos nem julgamentos, apenas
retratar aquele universo como se fosse o mais trivial possível, de forma que nós
pudéssemos crer que tudo o que é exibido é factível. Politicamente incorreto ao
extremo, o filme oferece-nos um punhado de sequências impressionantes pela
ousadia. Se Scorsese não esconde a nudez frontal das suas personagens, ele
também mostra uma orgia gay sem qualquer problema. Se numa sequência Belfort e os
sócios estão a debater na mesa de reunião o melhor meio de realizar um torneio
de arremesso de anã, noutra o protagonista e o seu pai conversam de forma
completamente aberta sobre as maravilhas da depilação feminina nos anos 80.
Tudo isto num ambiente onde o culto ao prazer é defendido até à última
instância, com a sede de Stratton Oakmont sendo uma espécie de antro de devoção
ao estilo de vida proposto. São várias as sequências em que o Belfort conduz as
suas “ovelhas” rumo ao hedonismo, seja ele de que forma for, pregando a
importância do dinheiro e o bem que ele pode trazer. Simplesmente isto.
Leonardo DiCaprio faz um trabalho espetacular e corajoso submetendo-se
a uma cena de sadomasoquismo. Entretanto, mais do que corajoso, DiCaprio brilha
mesmo é quando está diante do microfone. É lá que, assumindo de vez a postura
de motivador, ele rege a orquestra da Stratton Oakmont, com toda a sua fauna. O
Lobo de Wall Street é bom avisar: os mais sensíveis podem chocar-se. Afinal de
contas, o filme mostra de forma aberta um estilo de vida muito distante do
condizente com os manuais de boa conduta. Mas este é, também, um dos motivos
dele ser tão bom. Trata-se de um pontapé na porta, um filme que não tem medo de
ser subversivo. É esta coragem que faz com que ele seja uma pérola rara neste
mar chamado cinema americano. Para mim este filme é obviamente uma obra-prima.
Deliciosamente depravado, trata-se de um filme corajoso na sua proposta
narrativa e também conceitualmente, dentro do cinema contemporâneo, como poucas
vezes se viu. Se ainda não viram não sei do que estão à espera <3<3<3<3