Bem, parece que hoje é o nosso último dia da Semana Harry Potter e então hoje e apenas numa publicação falarei dos Talismãs da Morte, exato dois filmes numa publicação ;)
Começemos então!
Após o duo inicial encantador de Chris Columbus para a saga, tivemos a visão um pouco cansativa mas muitíssimo autoral de Alfonso Cuarón para O Prisioneiro de Azkaban, a prioridade dos efeitos e avanço da história em detrimento da qualidade na versão de Mike Newell para O Cálice de Fogo, e chegamos a David Yates, que assinou o contrato para a direção de A Ordem da Fênix e conseguiu a cadeira cativa e a missão de finalizar a série cinematográfica mais cotada deste início de século. A Ordem da Fênix, um dos livros mais complexos da série, teve uma versão cinematográfica rala e ainda marcou o início da Era do Espectador Potterhead, ou seja, só entenderia completamente os filmes dali para frente, quem tivesse lido os livros. Não é preciso dizer que para o cinema, esta atitude de “grupo fechado” é algo completamente anormal e imperdoável, mas por outro lado, os fãs do menino bruxo sentem-se privilegiados pelo domínio pleno de uma linguagem e sucessão de fatos incompreensíveis para o mundo dos muggles.
N’O Príncipe Misterioso, uma tendência fotográfica abominável que muito permeia os filmes de fantasia desta Era Digital encontrou nos tons verdes e cinza o seu reino eterno: o monocromatismo. Além disso, a pouca originalidade da trilha sonora, sem John Williams na composição desde Azkaban, serviu para dar ânsias e semear o mal estar nos fãs mais exigentes e nos espectadores mais críticos, algo que, felizmente, diminui muito nesta penúltima parte da saga, Os Talismãs da Morte: Parte I.
Se nos dois filmes que dirigiu anteriormente David Yates priorizou os efeitos visuais e especiais acrescidos de uma agilidade quase forçada a fim de dar andamento à história, nesta penúltima parte, em duas horas e vinte e seis minutos de filme, o objetivo é outro: trazer o máximo de elementos do livro para o ecrã, plasmar o amadurecimento emocional-psicológico e mágico dos protagonistas e dar conta do mundo ameaçado pelas forças do macabro Lord Voldemort, um mundo de medo, repressão, prisão e julgamentos arbitrários de bruxos de “sangue mau”, além da busca solitária por objetos ícones para o “lado das trevas”.
Apesar desta nova linha de direção, é muito difícil analisarmos esta primeira parte do último capítulo da saga, porque ela é o meio de um processo iniciado no filme anterior e que será completada no próximo ano. Ainda assim, As Relíquias da Morte I possui luxos e e também problemas dignos de um olhar mais atento.
Já nas primeiras sequências, a sensibilidade quase lírica com que vemos Hermione apagar a memória dos pais e as suas fotos de todos os quadros da casa, mais as tomadas paralelas do trio protagonista da saga, mostram o estado de espírito de cada um e o rumo que seguem a partir desse momento. O filme, desde a sua introdução, é a saída para uma longa busca.
Em meio ao tenso e macabro mundo em que vivem os bruxos agora, pontadas de humor e inadequações dramáticas quebram a atmosfera lúgubre: o casamento de Fleur e Bill Weasley, a invasão do Ministério da Magia por Harry, Ron e Hermione, as tentativas de reconciliação de Ron com Hermione, após voltar para a cabana, e a melhor de todas as sequências cómicas, embora dentro de um contexto nada engraçado: a transfiguração dos sete Potter. Mesmo o uso da câmera e a moderada quantidade de planos dessas sequências são exemplos de um leve amadurecimento narrativo, o que podemos dizer que também aconteceu com a fotografia e o uso da música.
A montagem preferiu a divisão entre os planos como se fossem capítulos do livro, e o uso do fade-out foi a transição usada em larga escala. A suavidade entre os blocos de ação, no entanto, não justificam a supressão do preparo para os acontecimentos. Tudo acontece muito rápido e essa é a poeira que acompanha o novo vento de David Yates. As longas panorâmicas geográficas e os planos médios de observação das vigílias de Harry e Hermione poderiam dar lugar ao processo de criação da ação, o que deixaria a narrativa melhor embebida em suspense, recurso usado de forma interessante.
Apesar de não inovar completamente e pecar sem escrúpulos na passagem do tempo e no trabalho com a decupagem, rompantes de criatividade e beleza arrebatam o espectador neste filme, sendo o maior deles, a representação em animação d’O Conto dos Três Irmãos. Aqui, a fotografia do português Eduardo Serra alcançou um dos seus melhores momentos no filme. As sombras que desfilam para formar a história que ouvimos narrada em off são um espetáculo à parte. Nunca, em nenhum dos filmes da série, uma sequência tão bela teve tanto a ver com o contexto e conseguiu tamanha beleza e pertinência no guião. Mesmo os elementos visuais que ligam a casa dos Lovegood à história macabra, “Era uma vez três irmãos que estavam a viajar por uma estrada deserta e tortuosa ao anoitecer…”, correspondem a 100% à representação, quase um teatro de sombras digital.
A emoção e o definitivo clima de guerra são as grandes colunas aqui. A morte da Edwing, do Dobby e do líder da Ordem da Fénix, Alastor Moody, dentre outras, servem para salientar a maldade dos Devoradores da Morte e a impotência dos bruxos bons frente a essa força que cresce desenfreadamente.
A supressão do tempo de preparação de algumas ações-chave para a história tentam ser corrigidas através das visões do Harry em contacto com a mente do nosso Lord Voldemort. Sequestros, mortes e violações são pré-vistas pelo jovem e mostradas rapidamente ao espectador, culminando na última cena do filme, quando o túmulo de Dumbledore é violado e a principal relíquia da morte é roubada pelo malvado Lorde das Trevas. Esta primeira parte de Os Talismãs da Morte é claramente um grande esforço de David Yates. Embora não seja um excelente filme, agrada pelo seu moderado dinamismo narrativo, pela revelação leve da sexualidade, pelos sustos e bons efeitos especiais. A história perde no guião que prima pela languidez, tendo muito tempo morto e deixando de lado o caminho da ação, algo tão prezado no último livro.
Harry Potter e Os Talismãs da Morte – Parte 2 traz o fim da saga com muitissima dignidade, embora algumas expectativas frustradas colaborem para fazer o espectador desgostar deste ou daquele rumo dado ao filme. Embora estas questões pontuem toda e qualquer obra adaptada para o cinema, esta última parte é um momento delicado e é importante que o vejamos de uma maneira diferente.
Sendo uma continuação imediata do filme anterior, não havia outro meio para David Yates não trazer desde o início a atmosfera de tristeza, abandono e medo que sobrevivera ao fim do último filme, quando Voldemort conseguiu uma das essenciais relíquias da morte. Neste sentido, não é de estranhar que o filme comesse com uma carga reticente de acontecimentos e que traga um grande fluxo de ação antes mesmo de completada a primeira meia hora.
Sendo resultado de um “trabalho de retalhos”, esta última parte peca no ritmo externo e tropeça em alguns momentos no ritmo interno. No primeiro caso, estamos diante do mais pequeno de todos os oito filmes, e por isso mesmo uma enorme quantidade de acontecimentos precisam ser condensadas e agrupadas de modo lógico para que tudo se encontre e resolva no fim. A tarefa do editor Mark Day foi particularmente difícil e, apesar das suas tentativas de equilibrar o filme, não logrou fazê-lo o tempo todo, especialmente se considerarmos o fim, quando, a despeito da força das cenas, houve uma grande desaceleração dramática. No segundo caso, o trabalho da montagem paralela chegou a desestruturar algumas sequências, porque, embora intensificasse o suspense por algum tempo, no fim de contas chegava ao produto fácil, com um “encontro” entre as cenas; ou não chegava a lugar algum: os dois acontecimentos resolvendo-se por si só em lugares separados, como no momento em que o trio protagonista foge para salvar o meu lindo Draco (sim, ele é o meu personagem favorito).
Numa análise pormenorizada, percebemos que Os Talismãs da Morte – Parte 2 é um filme pensado para “ter cara de último filme”, daí o desfile dos personagens no ecrã. Os flashbacks e o tom nostálgico são os grandes responsáveis por emocionar o espectador e fazer deste o melhor filme de toda a saga. Antes de mais nada, Harry Potter representa toda uma geração que cresceu a ler os livros e a ver os filmes, portanto, não se trata de pouca coisa, trata-se de uma geração inteira que se reconhece, também na ficção, como adultos; por isso a grande identificação com tudo o que temos neste último filme.
Na direção, David Yates é melhor do que fora nos outros filmes e o mesmo mérito cabe ao elenco jovem. Daniel Radicliffe e Emma Watson estão muito bons, o primeiro na sua melhor apresentação de toda a saga, e a segunda acompanhando a ascendência da postura vinda com a idade. O destaque-surpresa vai para Rupert Grint.
Na pele de Belatrix Lestrange, Helena Bonham Carter é uma revelação, com duas aparições completamente diferentes e absolutamente perfeitas. O outro destaque vai para o eterno Alan Rickman, o misterioso Severus Snape. Lágrimas, paixão e dor, são palavras que podemos associar à sua personagem nesta parte final e a sequência da sua morte e o que se segue é certamente uma das melhores cenas do filme. Matthew Lewis, o atrapalhado Neville Longbottom destaca-se bastante e coube-lhe uma das cenas mais interessantes do fim do filme. Ralph Fiennes dá um espetáculo de maldade na pele de Lord Voldemort. Além da excelente caracterização, o ator consegue trazer consigo todo o símbolo do mal. É realmente impagável.
Com louváveis efeitos visuais e especiais e a hipnotizante trilha de Alexandre Desplat, o filme consegue afirmar-se como produto inteiro. Se escorrega em alguns pontos da sua forma técnica, ganha outros tantos na ação, nas atuações, na direção de arte e na fotografia, aliás, um louvável trabalho de Eduardo Serra, que passa da predominância de tons escuros, azulados e negros, para um fim de filme bem iluminado e, apesar de não descaracterizar o todo da obra usando excesso de cores quentes, a mudança é sentida e dramaticamente significativa, dando o acertado ar de esperança para o fim. Em tempos de paz, apenas o peso recorrente da afirmação da família poderia caber na última cena e é isso mesmo o que acontece. Embora sem a essência mais fraterna e mais “humana” do livro, temos no desfecho a sensação de que tudo, enfim, acabou. Todos os dramas de uma vida, os medos e as esperanças estão ali. O rapaz que sobreviveu e os seus amigos agora são pais de família. Nada indica que o mal retornará. O bem venceu. E por mais clichê que isto possa parecer, isto agrada. Harry Potter e o seu mundo bruxo, sem as tantas ameaças que tinha, ficam tão normais quanto o mundo dos muggles. E por isso mesmo é hora de acabar. Como o comboio que parte de King’s Cross, vemos o grande fenômeno cinematográfico do nosso tempo partir, sendo assim o fim de uma era.
Bem chegamos ao fim da nossa Semana Harry Potter que sem dúvida irá deixar saudades <3
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