O Império Contra-Ataca basicamente foi o primeiro filme da saga Star Wars que realmente pode ser considerado independente, visto que foi financiado, quase integralmente, por fundos próprios da Lucasfilm angariados com o completamente inesperado sucesso de Guerra nas Estrelas (Episódio IV) três anos antes e também com alguns empréstimos bancários. Com isto, George Lucas tinha a maior liberdade criativa possível e, diante das suas várias funções, decidiu não se envolver mais diretamente no guião e na direção. Assim, ele contratou a autora de ficção científica Leigh Brackett para escrever o guião, cuja primeira versão não falava de qualquer parentesco entre Luke e Darth Vader, mas que já estava razoavelmente próxima do produto final, ela entregou em 1978, logo antes de falecer vítima de cancro. Lucas, detalhista como sempre foi, não gostou verdadeiramente do trabalho de Brackett, mas nunca teve oportunidade de discutir o assunto com ela e, com o seu falecimento, ele mesmo passou a criar novas versões do guião. Foram estas versões que levaram à questão do parentesco e, pela primeira vez, o uso de “Episódio” para marcar os filmes e também para indicar uma saga mais abrangente.
Quando Lawrence Kasdan acabou por entrar no projeto, ele mergulhou na nova missão de continuar a escrever as versões do guião juntamente com Irvin Kershner, então já contratado para dirigir, e com o produtor Gary Kurtz. Os três abordaram a continuação como entretenimento mais adulto, fugindo do enfoque simplista e leve do primeiro filme. É neste ponto que O Império Contra-Ataca diferencia-se fortemente do seu material original. Mais do que “o meio de uma trilogia”, ele é um filme definidor, moldador de uma saga. O Episódio IV pode ser visto e interpretado como um filme fehado completamente, sem necessidade de continuação, ainda que a sobrevivência de Darth Vader, no fim, dê a entender a sua volta. Já o Episódio V não. Ele, a partir de elementos do primeiro filme, constrói e evolui conceitos, ampliando os arcos de personagens de somente Luke Skywalker para quase todo o elenco principal. Vemos o crescimento não só do rapaz que se torna piloto e herói da Rebelião e, em seguida, em Cavaleiro Jedi, como também da Princesa Leia que sai do papel de “dama em perigo” para mulher de ação, que não tem problema algum em empunhar armas e esbofetear traidores. Até Han Solo ganha o seu momento ao sol, ao passar de “estúpido simpático” que só pensa em si mesmo para alguém que se preocupa com a sua nova família e, provavelmente pela primeira vez na vida, numa causa.
Mas é o núcleo familiar expandido fortemente neste Episódio V que solidifica as bases da saga espacial, que retira a obra do lado camp e a coloca profundamente como ficção científica/fantasia de primeira linha, literalmente definidora de muitas obras futuras do Cinema. É, sem dúvida alguma, uma grande evolução em termos de guião se compararmos com os ares juvenis do Episódio IV, o que ajuda ainda mais na impressão de evolução orgânica dos personagens. Em termos técnicos, a Industrial Light & Magic, criada para servir os desejos de Lucas em levar o filme original até aos grandes ecrãs revolucionando os efeitos especiais, já estava mais do que estabelecida no mercado. O avanço tecnológico de um filme para o outro é bem visível. Se, antes, as batalhas eram limitadas ao espaço, com o trabalho de chroma-key facilitado pela inserção de fundos simplistas escuros, agora a coisa muda de figura. E logo no início, com a inesquecível Batalha de Hoth em cenário de fundo branco pintado, com os AT-AT em stop motion em primeiro plano.
Além disso, a quantidade de novos equipamentos de transporte e guerra é de se louvar. Além das X-Wing e Destroyers Imperais, Império é pródigo em AT-ATs, Snowspeeders, Super-Star Destroyers, Slave I e uma variedade de outras naves que formam a aliança rebelde.
E, claro é impossível não falar nas novas criaturas e nos novos designs de personagens. Desde o Tauntaun, Wampa e Ughnaut, passando pela “lesma espacial”, até ao absolutamente inimitável Yoda, criado por Frank Oz, que também dá voz ao personagem, além de Boba Fett, Lobot os Snowtroopers, a impressão de um universo só é completa, ainda que somente Yoda ganhe tempo de tela e, portanto, construção de personagem, que nos faça realmente identificar com ele.
Kerschner, acostumado a filmes mais intimistas antes de embarcar no projeto, foi uma escolha no mínimo estranha para comandar O Império Contra-Ataca justamente em razão do seu currículo. No entanto, ele faz aquilo que Lucas nunca foi capaz de fazer: pegar nos personagens já estabelecidos e acrescentar camadas de complexidade com o mero uso de close-ups e tomadas que permanecem com o ator por um ou dois segundos a mais que o normal, de forma a que o espectador possa absorver e compreender os seus respectivos estados de espírito. Por isso mesmo, parabéns Kerschner! Com isto, Mark Hamill, Harrison Ford e Carrie Fisher têm atuações muito mais intensas e verdadeiras do que no filme anterior. Vemos personagens calejados, maltratados pelo tempo a fugir do Império. Há um crescimento refletido nos seus rostos e nos seus figurinos, que escurecem juntamente com eles. O “sombrio” deste filme não é aquele sombrio artificial de muitas obras atuais, cujos diretores e produtores acham que basta que tenham fotografia escura para qualificar. Assim como a Força, o “sombrio” está dentro e ao redor dos personagens, interligando-os.
O único personagem que propositadamente foge desta marca é Lando Calrissian, que é uma espécie de Han Solo que se estabilizou na vida. Ele oferece momentos de leveza, ainda que a revelação da sua traição nos tire o fôlego e desfaça a nossa impressão de tranquilidade que ele e Bespin, a sua angelical cidade nas nuvens demonstram.
A atmosfera sombria honestamente não seria metade do que é sem mais um magistral trabalho de John Williams na composição da fantástica trilha sonora. John Williams havia construído o seu trabalho anterior em cima do conceito de leit motifs por personagem, com um grande tema geral para a saga. Mantendo, então, o conceito, Williams cria algo que não havia feito ainda: um tema específico para Darth Vader. Com maior relevância do personagem neste segundo capítulo, era consequência natural que ele ganhasse o seu próprio leit motif, mas o que acabou acontecendo é que a chamada Marcha Imperial se tornou tão dramática e marcante quanto o tema principal, especialmente se considerarmos que ela permeia literalmente o filme todo, desde os primeiros segundos de projeção, já dando o toque sombrio que o filme precisava.
Se repararem já ouvimos alguns acordes discretos da Marcha Imperial quando o Império envia drones para os quatro cantos da galáxia e como ele volta com força total, quase 20 minutos depois, quando os Star Destroyers se juntam como prelúdio da chegada de Vader. O mesmo vale para a inserção dos acordes na Batalha de Hoth, na perseguição pelo campo de asteroides e, lógico, na luta final entre pai e filho (sim é neste filme que vem a célebre frase que todos conhecem ;)).
Mas não é só a Marcha Imperial que merece destaque. Williams compôs o belo Tema de Yoda, que é ao mesmo tempo super divertido e contemplativo, refletindo a natureza do pequeno, elétrico, mas muito sábio Mestre Jedi. No caso de Lando Calrissian, apesar de ele não receber propriamente um tema, a sua presença é marcada com duas novas composições, que se complementam e se opõe, revelando, musicalmente, a natureza dúbia e dupla do personagem. O Império Contra-Ataca consegue, pelos seus próprios méritos, ser outro marco da ficção científica/fantasia na Sétima Arte. Em quase todos os aspectos, é uma obra superior à original, o que, por si só, é um feito quase inacreditável. É a continuação que toda a continuação quer ser, mas que quase nenhuma consegue ser, digamos assim.
Por hoje acabamos a nossa Semana Star Wars, mas amanhã regressamos novamente com o Episódio VI, fiquem atentos ;)
Sem comentários:
Enviar um comentário